Todas as coisas boas têm seu fim… Escrevo isso na quarta-feira de cinzas, dia 5 de Março de 2025. Hoje, sabemos que o ano começa pra valer porque o carnaval chegou ao fim. Acabou, depois dos 4 dias aproveitando, nas ruas, a maior e mais linda festa do mundo, depois da catarse que existe no desfrutar da mais pura sensação de intensa alegria.
Não bebo e, durante o carnaval, onde o brasileiro pode quase tudo, é muito doido viver tanta coisa estando sóbria. Ao mesmo tempo, acredito que essa seja a razão pela qual eu sou a pessoa mais feliz do mundo durante o carnaval: fico tão consciente de mim e de tudo ao meu redor que percebo os detalhes, os cheiros, as cores, os sons, os sorrisos, os corpos dançantes, as fantasias, os beijos alheios, os corpos cheios de si, as palavras ditas recheadas de sentidos e a vontade de viver dessa galera que espera pelo carnaval durante o ano todo e o vive como se, em breve, chegasse o fim do mundo.
No meio do povo, consigo pensar no quão simbólico é todo mundo ali reunido. O carnaval, essa festa popular gigantesca, assim como o samba, sempre foi marginalizado. Historicamente, pelas elites, pelos governos que atuaram na tentativa de apagamento das raízes culturais originárias cariocas e, hoje, pelos discursos moralistas que estão em alta. Já tentaram apagar a história, domesticar os corpos, gerar culpa em torno da alegria e até mesmo proibiram o carnaval -e não tô falando sobre os anos de pandemia.
Num resumo, pra gente começar: carnaval não é só uma festa. Não se pode resumir carnaval à bagunça ou qualquer coisa que quem é contra adora falar. Além de todo o peso histórico e tão fundamental pro Rio e pro nosso país, existe uma questão cultural, que fala das nossas raízes, da nossa gente, do nosso povo, da nossa música, da nossa dança, da nossa festa…
Nesses anos em que vivo o carnaval do Rio andando pelas ruas e experimentando o caos delicioso no qual se transforma a cidade, percebi que carnaval, muitas vezes, fala mais sobre o nosso país do que nós brasileiros.
É tãaao comum estarmos fora do país e algum estrangeiro falar sobre carnaval e samba, quando falamos que somos daqui… Isso porque o Brasil é, inegavelmente, o país do futebol e do carnaval -e há quem diga que o nosso país é, ainda, o país das caipirinhas!
Quando vejo o carnaval se aproximar, já começo a sonhar com a euforia coletiva ocupando as ruas, com o desejo da felicidade de quem trabalha o ano inteiro e espera o carnaval pra conseguir sentir um pouco de alegria.
Carnaval é a rua como lugar de encontro. É povo em festa. É celebrar o bem e a possibilidade de vivermos, apesar do mal. É uma subversão do cotidiano. É transformar as passagens urbanas em um lugar social. É se reinventar, mesmo em dor. É se deixar delirar, apesar da escassez. É ato político. É resistência. É uma reafirmação de quem somos. É um lembrete de que somos dignos de alegria e de prazer. Carnaval é sentimento. É ocupação ativa das ruas.
Historicamente, sabemos que o corpo que dança, que se fantasia, que se desvencilha de suas amarras sociais, é um dos elementos centrais do carnaval. Ele se torna, nesse contexto, uma ferramenta política e cultural. O corpo, por si só, também se torna uma ferramenta de subversão.
Quando os corpos dançam e cantam pela cidade, ela deixa de ser apenas um espaço físico e se transforma em um lugar simbólico, que reflete uma nova configuração de poder: a ocupação das ruas por todos os corpos que querem estar entregues à grandiosidade desta festa, reivindicando voz, visibilidade e possibilidade de alegria. Afinal, a alegria também é subversiva.
Luiz Antônio Simas diz que a gente não brinca e festeja porque a vida é mole e, sim, porque a vida é dura. Eu, particularmente, torço pra que a gente continue temperando as ruas do Rio com suor salgado e brilhos singelos de alegria, sempre que puder. Espero que o povo continue sambando, ouvindo os sons das ruas, sentindo os seus movimentos e vivendo as suas alegrias, sem esquecer nem por um segundo, que vale a pena estar vivo.
Agora, pra valer: feliz ano novo!
Beijos,
Giovana Devisate
* Publicado na edição de domingo, do Jornal A Gazeta do Amapá, em 09/03/2025.